Em toda a história, a condição de
estrangeiro sempre foi alvo de complicações e formação de conflitos entre os
Estados. A maneira como este é tratado em um país que não o seu de origem não
implica somente na preocupação se seus filhos terão onde estudar, se haverá
oportunidade de emprego ou residência para morar. Mais do que isso, implica a questão
da cidadania, especial pressuposto para o reconhecimento de sua existência em
um Estado, estando intimamente ligada à observância de Direitos Humanos,
particularmente o direito à vida e à dignidade, que se pressupõem serem plenos
em qualquer parte do mundo.
Com a sucessão de guerras cada
vez mais devastadoras e o advento da Primeira Guerra e, posteriormente, da
Segunda Guerra Mundial, com consequências irrecuperáveis, houve uma evolução da
consolidação dos Direitos Humanos aplicáveis ao Direito Internacional, o que
fez com que o desenvolvimento do Direito Humanitário fosse cada vez mais se
atrelando à evolução do próprio Direito Internacional Público.
Após a fundação da ONU e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, as conquistas de olhares
mais solidários e de reconhecimento de direitos aos refugiados passaram a crescer
e a se tornarem uma constante. Em 14 de dezembro de 1950, a Assembleia Geral da
ONU criou o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) com o
objetivo de fornecer proteção e assistência às vítimas de perseguição, da
violência e da intolerância. Desde então, o instituto já foi responsável por
mudar a vida de mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo.
Em Genebra, no ano de 1951, foi
convocada uma Conferência de Plenipotenciários das Nações Unidas para redigir
uma Convenção cujo objetivo era atender às necessidades de regulamentação da
situação legal dos refugiados. Assim, em 28 de julho do mesmo ano, foi adotada
a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, que consolidou o
dever dos Estados de cumprir com o que foi acordado e, principalmente, de
respeitar esses direitos abordados, através de prévios instrumentos legais
internacionais relativos aos refugiados, entrando em vigor em 22 de abril de
1954.
Assim, a Convenção, através do
Estatuto dos Refugiados, estabeleceu diretrizes básicas sobre como deveria ser
o tratamento dos refugiados em cada condição específica. No entanto, para
preservar a autonomia e Soberania dos Estados acordantes, não impôs limites ao desenvolvimento
desse tratamento.
Não se deve confundir imigração
com refúgio, vez que este último é o acolhimento de pessoas perseguidas em
razão de sua raça, religião, opiniões políticas, nacionalidade ou de seu grupo
social. Assim, faz-se necessária uma regulamentação de quais pessoas
especificamente nessas condições seriam consideradas refugiadas.
Os refugiados são pessoas que
escaparam de conflitos armados ou perseguições. Com frequência, sua situação é
tão perigosa e intolerável que devem cruzar fronteiras internacionais para
buscar segurança nos países mais próximos, e então se tornarem um ‘refugiado’
reconhecido internacionalmente, com o acesso à assistência dos Estados, do
ACNUR e de outras organizações.
O artigo 14 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948 estabelece o direito de toda pessoa,
vítima de perseguição, procurar e gozar asilo em outros países. Nesse sentido,
o ato de prestar abrigo e fornecer condições dignas de cidadania ou, ao menos,
de condição humana para esse público é uma prática de Direitos Humanos.
Fundamentando-se nos princípios
de proteção e respeito aos direitos do homem, a Declaração apresenta o direito
de asilo e refúgio como forma de garantir as liberdades fundamentais, sem
distinção de qualquer natureza. Assim, no instituto do refúgio pode-se destacar
dois momentos.
Primeiramente, o momento no qual
ocorrem os motivos causadores da coação que estimula o indivíduo a abandonar o
país de origem, ou seja, o momento anterior ao reconhecimento da condição de
refugiado. Depois, ocorre o momento posterior ao deslocamento para uma nova
vida no país que deve acolhê-lo e protegê-lo. No entanto, a ameaça aos Direitos
Humanos dessas pessoas, que estão em condições de vulnerabilidade, relaciona-se
com as perseguições que costumam sofrer no país de destino. Tal violação tem
sido fortemente sustentada pela ACNUR, principalmente no que diz respeito a uma
ameaça à vida ou à liberdade por motivos de raça, religião, nacionalidade,
opinião política ou pertencimento a grupo social, que segundo o Comissariado,
deve ser sempre considerado perseguição.
Atualmente, com as guerras civis
e ataques que ameaçam constantemente os países atingidos, acontece a maior crise de deslocamento forçado desde a Segunda Guerra
Mundial, fazendo com que os imigrantes tenham que se refugiar em outro
país, que nem sempre os vê com bons olhos ou lhes oferece condições dignas de
subsistência.
Os governos dos países
desenvolvidos tendem a ver as pessoas que chegam ilegalmente às suas portas
como uma ameaça. A Austrália, por exemplo, tem um programa para receber um
número limitado de imigrantes legais. Os ilegais são recolhidos em centros de
detenção como o de Woomera, que fica isolado no meio de um deserto.
Embora a impressão divulgada seja
de que os refugiados costumam procurar os países mais ricos, os novos índices
têm indicado que são os países em desenvolvimento os mais procurados pelo fato
de aceitarem a maioria dos imigrantes em situação de refúgio. No entanto, ainda
é grande a procura pelos países Europeus, pelo fato da boa qualidade de vida,
economia estável, educação, saúde e possibilidade de novas oportunidades.
Somente no primeiro semestre de
2015, mais de 350.000 pessoas deslocaram-se de países islâmicos, sobretudo da
Síria e da Líbia, em direção à Europa, com destaques de maior índice
imigratório para a Itália e a Grécia. A Primavera Árabe, ocorrida em 2011, foi
palco para o desenvolvimento da guerra civil na Síria, que se estende até hoje.
Desde então, os países muçulmanos vizinhos, como a Turquia, passaram a receber
um enorme contingente de refugiados, que fugiam das condições catastróficas a
que seu país estava submetido. No entanto, de um certo ponto em diante, quando
esses países perceberam que a situação estava fora de controle, passaram a
restringir a entrada desses refugiados.
As razões para esse fenômeno de
migração forçada é, principalmente, a instabilidade política que as guerras
civis recorrentes nos países de origem provocam, em especial a guerra na Síria,
marcada pela atuação terrorista da facção Estado Islâmico, que está
disseminando sua população e realizando atrocidades que o ao mundo inteiro
surpreendem.
Outro fator desencadeante dessa
situação é que os demais países muçulmanos, particular e principalmente os
vizinhos à Síria e os países localizados na região do Golfo Pérsico, se recusam
e apresentam resistência em acolher os refugiados, famílias inteiras que agora
partem em direção ao leste e ao sul da Europa em busca de abrigo.
Os imigrantes sírios, por
exemplo, entraram de forma massiva em países da Europa, tendo como principal
portão de acesso os litorais da Grécia e da Turquia. Para chegar ao destino, a
maioria arrisca a vida em travessias perigosas pelo Mar Mediterrâneo, a bordo
de botes infláveis e barcos clandestinos.
Nesse contexto, o posicionamento
dos países europeus sobre a aceitação ou não dos refugiados é um fato que tem
gerado uma crise de essência simultaneamente ética e política, com reflexos em
diversos campos da sociedade. Os especialistas que estudam as condições as
quais esses refugiados estão submetidos têm levantado questões a respeito da
trajetória percorrida por eles até o novo local de abrigo, das quais muitos não
sobrevivem, chegando a ser um método cruel de extermínio.
Outro ponto importante é a
questão relacionada à capacidade de países em plena crise econômica, como a
Grécia, acomodarem, fornecerem emprego, educação e assistência social a milhares
de refugiados, muitos deles que não possuem ao menos identificação e que já
perderam a sua cidadania. Além disso, a diversidade cultural existente entre
muçulmanos e europeus representa uma ameaça à vida pacífica nesses locais,
principalmente quando atuam no âmbito moral, religioso e de condutas que devem
ser seguidas de acordo com a sua fé.
É nesse ponto que surgem as
controvérsias e discussões que estão transformando a situação em um caos,
totalmente fora de controle, e que, de certa forma, representa também uma
ameaça à estabilidade do país de abrigo. Vale destacar também que nos países
europeus acolhedores existe uma constante preocupação com as possíveis ligações
que essas pessoas, muitas delas indeterminadas, possam manter com os grupos terroristas,
tais como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, o que é absolutamente facilitado nas
presentes circunstâncias.
Recentemente, os noticiários
estamparam o novo discurso do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
que, tendo em vista os acontecimentos atuais, passou a pregar a necessidade de que os países acolhedores
proporcionem respeito e dignidade aos indivíduos refugiados da África, Síria,
Afeganistão e Iraque, que vivenciaram um terrorismo constante em seus países de
origem a ponto de não encontrarem outra alternativa a não ser se refugiar,
pois não havia mais esperança de vida ou dignidade para eles próprios e suas
famílias.
Com isso, a ONU tem trabalhado a
questão de despertar nos países que abrigam esses refugiados o interesse por
melhor acolhê-los e protegê-los, dada a sua situação de vulnerabilidade em Direitos Humanos. Assim, a
Organização visa estimular a comunidade internacional a desenvolver uma
resposta global para o fluxo de população em massa. Nesse sentido, a visão que
os países têm dos imigrantes como criminosos, buscando detê-los, impede a
integração dos mesmos com a população local, sendo um obstáculo ao
desenvolvimento de uma vida normal no novo local de residência. É preciso
oferecer mais oportunidades para essas pessoas, mais condições dignas, com
legalização e segurança, bem como ações de assistência social frente a tal
carência de recursos de uma situação que acaba por financiar o contrabando e o
tráfico de pessoas.
Por fim, destaca-se a importância
do Direito Internacional Humanitário no tratamento aos refugiados,
principalmente em um momento em que a sua vida e dignidade se encontram tão
ameaçadas. Nesse ponto, é também papel da ONU e da ACNUR, como referência em
Direitos Humanos voltados para as pessoas em situação de refúgio, estabelecer
políticas que devam ser seguidas por todos os Estados, a fim de controlar a
situação para preservar os direitos desses indivíduos, de modo a evitar que se
torne um cenário natural assistir o drama dos refugiados e se acomodar com essa
situação, que é absolutamente desumana e inaceitável.