Com o
passar dos anos o homem foi (e continua) aprimorando as relações e o convívio
social. De certo modo, a evolução não foi tão rápida, mas o Direito, com seus
passos lentos, muitas vezes não consegue acompanhar esta evolução na mesma exigência
necessária para a solução dos conflitos existentes.
Facilmente
nos deparamos com escrituras ultrapassadas acerca das relações ou até mesmo da
entidade familiar, começando pela Bíblia (Gênesis 2:18[1], Gênesis 2:24[2], Mateus 19:4-6[3], Efésios 5:33[4]) e finalizando na
Constituição Federal de 1988, nossa Carta Magna da garantia dos direitos
fundamentais, nosso aparato na incansável luta pelos direitos.
A Constituição
Federal/88 regulamenta o conceito de família através da união formada por um
homem e uma mulher com a exclusividade do interesse em constituir família,
independente da geração de filhos ou até mesmo de morarem juntos, assim, com a
Carta Magna, o casamento deixa de ser o único meio para constituição de
família, um marco na conquista dos direitos, principalmente porque a concepção de
família se desprendeu das questões religiosas e patrimoniais ou do único
caráter da procriação, sendo reconhecido a partir de então, valores e
princípios norteadores dos direitos fundamentais como a amizade, o
companheirismo, o amor, a dignidade da pessoa humana, a solidariedade
social e também, a afetividade que passa
a ter dimensão jurídica.
Como
bem sabemos, há outros tipos de relações familiares reconhecidas e protegidas
pelo Estado, como a família monoparental (formada por qualquer dos pais e os
filhos), mas nossa reflexão se fixará na união estável, reconhecida expressamente
pela Constituição de 1988 mas que somente em 2014, ou seja, somente após quase três
décadas convivendo socialmente com a legalidade da união estável, que a sociedade
conseguiu alcançar a efetividade da garantia da segurança jurídica com a
permissão dos registros nos Cartórios de Registro Civil.
Art.
226. A família, a base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§
3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento.
§
4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes.
A união
estável prevista na Constituição Federal e regulamentada pela Lei n. 8.971/96 (direito
dos companheiros a alimentos e sucessão) e a Lei n. 9.278/96 (união estável)
até então, preterida pelo casamento nos institutos normativos. Mas, devido aos
avanços sociais, aqueles que impulsionam a sanção de novas normas, em 2002, no
art. 1723 do Código Civil, o legislador perdeu força na preferência.
Art.
1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida
com o objetivo de constituição de família.
Deste
modo, com garantias constitucionais e dotada dos preceitos de entidade
familiar, o doutrinador Rolf Madaleno[5] define com êxito o
conceito de união estável
representada
pela convivência de homem e mulher, podendo até não coabitarem, mas que,
solteiros ou casados, desde que separados de fato ou judicialmente, divorciados
ou viúvos, se apresente o casal aos olhos da sociedade como se fossem marido e
mulher. Unidos pela inequívoca intenção de constituírem uma verdadeira família,
a relação não precisa ter sua origem legal apenas no casamento, pois na relação
informal estável entre o homem e a mulher é reconhecida uma entidade familiar,
cujo conceito se estende também à comunidade formada por qualquer dos pais e
seus descendentes, conforme os §§ 3º e 4º do artigo 226 da CF.
Cabe
ressaltar que o ápice do reconhecimento jurídico da união estável não está em
residirem juntos e sim, na publicidade do ato, ou seja, a convivência pública e
duradoura com o intuito sobretudo, de constituir família.
Neste
contexto, identificamos a diferença entre união estável e namoro qualificado. Primeiramente,
não há norma que regulamenta o namoro como relação social ou, relação familiar;
tal reconhecimento compete aos bons costumes sociais, além claro, da
jurisprudência. Assim como na união estável, a publicidade e a constância da relação
são requisitos fundamentais para a caracterização do namoro, considerando
também a fidelidade recíproca.
De
acordo com Carlos Alberto Dabus Maluf[6], o namorado qualificado
Trata-se,
na prática, da relação amorosa e sexual madura, entre pessoas maiores e
capazes, que apesar de apreciarem a companhia uma da outra, e por vezes até
pernoitarem na casa de seus namorados, não tem o objetivo de constituir família.
Portanto,
apesar das semelhanças entre união estável e namoro qualificado o fator
preponderante da diferença é o objetivo em constituir família, presente somente
na união estável.
No namoro
qualificado, ainda que possa existir no futuro a intenção em constituir família,
não há ainda, a comunhão de vida, como reforça Maluf. Mesmo evidenciada a
convivência amorosa pública, contínua e duradoura, as partes ainda preservam
sua vida pessoal e a liberdade, e sobretudo, os interesses particulares não se
confundem e a assistência moral e material recíproca não é totalmente
irrestrita.[7]
Separados
por uma linha tênue, não é demasiado ressaltar que namoro qualificado e união
estável não são sinônimos e possuem diferente caráter de relação social. A
dificuldade surge porque no relacionamento contínuo os casais começam a fazer projeções
futuras com o propósito de constituir uma família, mas não por isso vivenciam
uma relação de união estável, porque a intenção em formar uma entidade familiar
tem que ser no presente, bem como, a presença do affectio maritalis, ou seja, a afeição conjugal, isto é, o desejo
recíproco dos cônjuges de se tratarem respectivamente como marido e mulher deve
ser considerado.
[1] Por essa razão, o homem deixará pai e
mãe e se unirá a sua mulher, e eles tornarão uma só carne.
[2] Criou Deus o homem a sua imagem, a
imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou.
[3] Ele respondeu: “Vocês não leram que, no
princípio, o Criador ‘os fez homem e mulher’ e disse: ‘Por essa razão, o homem
deixará pai e mãe e se unirá a sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne’.
Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. Portanto, o que Deus uniu,
ninguém separa.
[4] Portanto, cada um de vocês também ame a
sua mulher como a você mesmo, e a mulher trate o marido com todo o respeito.
[5] Madaleno, Rolf. A união (ins)Estável
(relações paralelas). (?)
[6] MALUF, Adriana caldas do Rego Freitas
Dabus - Novas modalidades de família na pós-modernidade, São Paulo; Saraiva,
2010,p.106.
[7] Cf.
voto do Min. Marco Aurelio Bellize - 3. Turma 0 no REsp 1454643 / RJ -
RECURSO ESPECIAL - 2014/0067781-5