domingo, 4 de dezembro de 2016

Aborto, aqui

Recentemente, ouviu-se muito a palavra aborto. Há poucos dias, numa decisão favorável tomada pelo nosso Supremo Tribunal, trouxe à tona a discussão sobre o tema, mas, mais uma vez, a rasa análise e uma leitura superficial (ou nenhuma), fez com que, ao invés de debates fundamentados, tivéssemos mais um show de ignorância e intolerância nas redes sociais.

Em sua decisão, Luís Roberto Barroso, que é Ministro do Supremo Tribunal Federal, expressa que “o aborto não é algo bom, e que o papel do Estado deve ser evitá-lo, mas com educação sexual, com distribuição de contraceptivos e apoio às mulheres que desejarem manter a gravidez, mas que não tenham condições”, logo, o Estado tenta, mas é ineficaz ou tem suas medidas desvirtuadas.

Entendo que, nosso país tem que se estruturar mais para legalizar tal ato, apesar de urgente, não podemos tratar o aborto como mais uma medida imediatista, todo o amparo para evitar ou realizar um aborto têm que ser efetivo, e não lançar mais uma medida pelo clamor social, mas também, não se calar diante disto. O amparo às mulheres tem que ir do pré, durante e bem após a medida que ela decidir tomar, não adianta legalizar o aborto por si só, as medidas sociais, o acompanhamento psicológico e assistencial tem que ser algo concreto, firme e estável, pois não se admite erro, não há possibilidade de voltar atrás, seja na decisão de ter ou não um filho.

Em oportunidades que tive de conversar junto à mulheres que abortaram, a dor de quem indesejadamente engravida é devastadora, fere a alma pensar que não há amparo, psicológico e financeiro, suficiente para si, quiçá para sustentar outrem. A energia negativa que será repassada a este feto, desde sua descoberta, é das piores possíveis. Um ser rejeitado desde sua concepção, com fortes tendências a ficar à margem da sociedade.

A argumentação de que “quem não quer engravidar, que se previna”, é desarrazoada, visto que, são raras as oportunidades que temos para falar sobre educação sexual, muito menos em prevenção, nem o grande acesso e disseminação da informação, infelizmente, ainda não cuidou para que falassemos abertamente sobre o assunto. Prevenção há, gratuitamente, mas num assunto tabu, não falam ou não deixem que falem sobre. No governo há diversas iniciativas, como, por exemplo, o Programa Saúde e Prevenção nas Escolas, porém, por vezes, os genitores não permitem que se trate do assunto, mas também não tratam em casa.

Noutro ponto, o Ministro Luís Roberto, diz ainda que, “o direito à integridade psicofísica protege os indivíduos contra interferências indevidas e lesões aos seus corpos e mentes, relacionando-se, ainda, ao direito à saúde e à segurança. Ter um filho por determinação do direito penal constitui grave violação à integridade física e psíquica de uma mulher”.

Quanto a criminalização, uma mulher que queira abortar, pensa em sua vida, na vida que poderá conceber, na família, no “apedrejamento” social, em sua consciência futura e, por último, em algum tipo de crime que cometerá. Logo, parir um filho, por repressão penal, as possibilidades de o próprio direito penal atuar futuramente naquele ser indesejado, são enormes.

Todavia, não só pelo nosso Estado ser laico e, suas ações não poderem se basear em questões religiosas, o aborto é permitir igualdade entre homem e mulher, pois esta é quem suporta o ônus da gravidez, porque o pai que não deseja um filho, muda apenas o nome do ato, passa de aborto para abandono, porém, a finalidade e o resultado são os mesmos.

Há, claro, o direito à vida, entretanto, é lamentável as milhares de mulheres pobres (as ricas pagam) que morrem nos abortos clandestinos; é lamentável os custos suportados pelo Estado (nós), em razão dos abortos clandestinos que causam lesão às mulheres, custos estes que podem ser bem menores se o ato fosse realizado pelo sistema público de saúde; mais lamentável ainda, é alguém que abandona, mas isto “é algo normal, natural, previsível, que acontece”.

Em outra visão, o economista americano Steven Levitt e o pesquisador brasileiro Gabriel Hartung, concordam que, “com o aborto legalizado, nasceriam menos criminosos”. De acordo com o economista, a legalização da prática teria servido, indiretamente, para evitar o nascimento de crianças pobres, fadadas a viver uma infância de abandono e candidatas a entrar para o mundo do crime, mas claro, desigualdade de renda, corrupção e sistema judiciário fraco são fatores mais importantes que a pobreza no aumento da criminalidade, mas o aborto contribui para a queda dos índices de crimes.

Entre os anos 70 e 80, nos EUA, houveram questões óbvias para o recuo da criminalidade: endurecimento da polícia, tolerância zero com pequenos delitos, leis mais rígidas e melhora na economia. Colhendo os dados de tais ações, os resultados decepcionaram - eles apontavam influências apenas residuais desses fatores nos índices de violência. Quando relacionou os números do crime com a legalização do aborto, em 1973, Levitt levou um susto. Havia uma forte ligação entre os dois fenômenos. Segundo Levitt, a legalização do aborto seria responsável por 25% da queda na criminalidade. Ressalto, não é apenas esta medida, mas, um conjunto, com estudos e pé no chão.


Por fim, deixo a reflexão, afastando questões religiosas, inserindo o bem estar mental e social da mulher, seu direito de escolha e sua igualdade de gênero. Sem achar que teremos clínicas ABORTE AQUI, rápido e prático. É questão de saúde pública (geral), logo, a discussão é nossa, o problema é nosso, por isso temos debater e resolver, sem extremismos, com clareza, leitura e respeito às diversas opiniões. É agora, é urgente.

Vamos juntos?






REFERÊNCIAS

4 comentários:

  1. Explanação perfeita! Abordou todos os aspectos sem se pautar por mi mi e com argumentos reflexivos. Comungo da mesma opinião!

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  2. Explanação perfeita! Abordou todos os aspectos sem se pautar por mi mi e com argumentos reflexivos. Comungo da mesma opinião!

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  3. Um dos textos mais sensatos que li! Parabéns! - Susan

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  4. Ótimo texto, sensato e muito coerente. Argumentos racionais de verdade. Parabéns!

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