segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Mas afinal, legalizaram o aborto?

No último dia 29, ocorreu no Supremo Tribunal Federal o julgamento do habeas corpus 124.306, acerca da revogação da prisão preventiva de 5 pessoas, entre médicos e funcionários de uma clínica de aborto clandestina localizada em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. 
A 1º turma do STF, composta pelos ministros Luis Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio e Luiz Fux, decidiu por unanimidade pela manutenção da liberdade dos envolvidos no caso. A decisão foi fundamentada pela ausência dos requisitos que legitimam a prisão cautelar, sendo eles o risco para a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal. Foi considerado também que os acusados são réus primários, possuem bons antecedentes, trabalho e residência fixa.
O ministro Luis Roberto Barroso abordou, ainda, a questão da inconstitucionalidade da tipificação penal do aborto no caso de interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre e foi acompanhado em seu voto pelos ministros Edson Fachin e Rosa Weber. 
A decisão causou repercussão geral e grande alvoroço nas redes sociais. Mas afinal, o aborto foi legalizado? A resposta é não. A descriminalização foi declarada, pela maioria, para o caso específico e não possui efeito vinculante, ou seja, o aborto ainda não foi descriminalizado no Brasil, com exceção dos casos já previstos em lei, quando há risco de vida para a mãe ou é resultante de estupro, ou conforme decisão anterior do próprio STF, nos casos de anencefalia. No entanto, vale ressaltar que a decisão abre precedente para que juízes deem sentenças equivalentes para casos semelhantes.
Os argumentos que basearam tal decisão foram em suma a violação dos direitos fundamentais das mulheres e a violação do princípio da proporcionalidade.
Quanto à violação de direitos fundamentais, o ministro Luis Roberto Barroso destacou que a criminalização do aborto no primeiro trimestre da gestação viola a autonomia da mulher, retirando seu direito de escolha, viola sua integridade física e emocional, tendo em vista que a gravidez irá expor o corpo da mulher a riscos e consequências que não foram desejados ou permitidos, bem como a afeta psicologicamente, devido à obrigação de assumir todas as responsabilidades inerentes à maternidade. Para o ministro, há também a violação dos direitos sexuais e reprodutivos, pois a mulher tem cerceada sua liberdade de escolha quanto a maternidade, e violação da igualdade de gênero, haja vista ser a mulher que suporta todo o ônus da gestação, cabe a ela o direito de escolha. Barroso destaca, ainda, que as mulheres pobres sofrem maior impacto com a criminalização, pois não possuem recursos para realizar o procedimento em clínicas particulares e nem podem recorrer ao sistema público de saúde, ficando sujeitas a procedimentos altamente perigosos.
Quanto à violação do princípio da proporcionalidade, são levados em consideração os seguintes pontos: a adequação da tipificação penal quanto à tutela do direito, a qual se prova ineficaz, uma vez que a proibição não impede o cometimento do ato, que tem sido realizado em grande escala de forma clandestina; a necessidade, considerando haver outros meios que protejam os direitos fundamentais da mulher, como o apoio do Estado às mães que desejam ter o filho, mas não possuem condições, por exemplo; e, por fim, a proporcionalidade em sentido estrito, que analisa o custo-benefício, tendo em vista os custos sociais gerados pela criminalização, que ocasiona a morte de muitas mulheres. 
Cabe ressaltar, que antes de proferir os argumentos que fundamentaram o seu voto, o ministro destacou que: "o aborto é uma prática que se deve procurar evitar, pelas complexidades físicas, psíquicas e morais que envolve. Por isso mesmo, é papel do Estado e da sociedade atuar nesse sentido, mediante oferta de educação sexual, distribuição de meios contraceptivos e amparo à mulher que deseje ter o filho e se encontre em circunstâncias adversas. Portanto, ao se afirmar aqui a incompatibilidade da criminalização com a Constituição, não se está a fazer a defesa da disseminação do procedimento. Pelo contrário, o que se pretende é que ele seja raro e seguro". 
O trecho supracitado demonstra claramente que a intenção da descriminalização do aborto não é fazer com que este seja praticado deliberadamente independentemente das circunstâncias, mas garantir que o Estado seja um parceiro de todas as mulheres, apoiando aquelas que desejam ter o filho e garantindo a segurança daquelas que decidirem interromper a gestação.
Diante do exposto, verifica-se a preocupação da Corte Suprema com a garantia dos direitos fundamentais das mulheres e o tratamento do aborto acima de perspectivas filosóficas e religiosas, mas como uma questão de saúde pública. Além disso, é evidente a necessária busca pela adequação da aplicação da lei penal, de 1940, com a Constituição Federal de 1988.

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