Já assistiu ao filme “De repente pai”? O filme relata a história de um doador de esperma que descobre ser pai de 533 crianças. Ele passa a enfrentar problemas quando muitos desses filhos desejam conhecê-lo. Já imaginou a quantidade de situações conflituosas que podem ocorrer?
Os homens
sempre viveram em comunidades, porém, como pode ser facilmente observado, a
sociedade sofre mudanças constantemente, exigindo com que o legislador adeque
as normas conforme a nova realidade.
O Código
Civil de 16 visava à preservação do matrimonio, determinando, assim, a filiação
em prol do casamento. Dessa forma, não se questionava a origem biológica do
indivíduo, mas sim se ele era ou não produto de uma relação conjugal.
Com a
possibilidade de análise do DNA e com o advento da Constituição Federal de 88,
esse panorama foi modificado consideravelmente. O foco principal de proteção
passou a ser o filho e não mais a entidade matrimonial, levando-se em
consideração o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e o princípio
da dignidade humana, dentre outros. Os filhos não mais podiam ser tratados de
forma desigual. Dessa forma, passou-se a considerar a origem biológica para a
determinação da filiação.
Atualmente,
o afeto, a convivência e o fator vontade ganharam grande relevância para a
determinação da filiação, sobrepondo-se muitas vezes ao fator biológico.
Com a
evolução da tecnologia e a evolução da medicina, foi possível chegar a novos
métodos de reprodução, como a reprodução assistida heteróloga. Essas técnicas geralmente
decorrem de um contrato entre a clínica e o casal e outro, não oneroso,
realizado entre a clínica e o doador, os quais estipulam, entre outros
regulamentos, o sigilo e anonimato do doador e do receptor. A filiação gera
deveres e obrigações e essa cláusula de sigilo e anonimato tem o condão de
evitar que o doador venha a questionar seus direitos de genitor em relação ao
sujeito gerado, bem como evitar que surjam obrigações paterno-filial ao
doador.
Ocorre
que, embora o Direito seja bastante abrangente e, ainda que com previsão
contratual legal, a reprodução de um ser através de um doador de gameta nos
permite contemplar o legado de indagações jurídicas que surgem referentes ao
estabelecimento do vínculo paterno-materno-filial e seus respectivos direitos e
obrigações.
Constituída
a filiação, essa gera direitos e deveres, tanto de cunho moral, quanto
patrimonial. Os sujeitos da filiação gozam de direitos sucessórios,
alimentícios, afetivos, além das garantias dos direitos fundamentais, assim
como deveres.
Os
direitos e deveres são recíprocos entre pais e filho. Da mesma forma que é
obrigação dos pais assistirem o filho em sua educação, alimentação, saúde,
lazer, é dever do filho assistir o pai idoso ou incapaz em sua subsistência,
saúde e etc.
Para a
ocorrência da reprodução assistida heteróloga é necessária a doação de gametas
por um voluntário. Para tanto, é preciso garantir ao mesmo que ele não terá
qualquer obrigação quanto aos indivíduos gerados em decorrência dessa doação.
No âmbito
da reprodução heteróloga, não há que se falar em quebra do anonimato do doador
em prol do direito à filiação, pois se não houvesse anonimato, nem sequer
existiria sujeito de direito de filiação. Ou seja, somente pode-se discutir direito à filiação
ou direito à origem genética por ter sido assegurado ao doador o direito de
anonimato. Considera-se também que hoje a filiação não está mais
necessariamente vinculada à origem genética, de forma que a filiação deve ser
questionada em relação aos receptores do gameta e não ao doador.
O
entendimento predominante é de que por motivos de saúde e força maior seria
cabível a quebra do anonimato do doador, todavia, sem efeitos de vinculo à
filiação. Alguns juristas em particular entendem pela quebra do anonimato do
doador em face do direito à origem genética.
O que se
espera do legislador é que torne possível o planejamento familiar daqueles que
optam pela reprodução assistida sem terem o risco de enfrentar possíveis
litígios referentes à questão da filiação. Tornar possível o planejamento
familiar através de referidos métodos prescinde do incentivo à doação de
gametas por voluntários, através da garantia de que estes não serão
importunados futuramente quanto a isso, a não ser em casos particulares de
força maior, onde se pretenda garantir a vida, bem maior de direito
fundamental.
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