quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

O Direito Fundamental à Filiação e o Anonimato na Reprodução Assistida


Já assistiu ao filme “De repente pai”? O filme relata a história de um doador de esperma que descobre ser pai de 533 crianças. Ele passa a enfrentar problemas quando muitos desses filhos desejam conhecê-lo. Já imaginou a quantidade de situações conflituosas que podem ocorrer?
Os homens sempre viveram em comunidades, porém, como pode ser facilmente observado, a sociedade sofre mudanças constantemente, exigindo com que o legislador adeque as normas conforme a nova realidade.
O Código Civil de 16 visava à preservação do matrimonio, determinando, assim, a filiação em prol do casamento. Dessa forma, não se questionava a origem biológica do indivíduo, mas sim se ele era ou não produto de uma relação conjugal.
Com a possibilidade de análise do DNA e com o advento da Constituição Federal de 88, esse panorama foi modificado consideravelmente. O foco principal de proteção passou a ser o filho e não mais a entidade matrimonial, levando-se em consideração o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e o princípio da dignidade humana, dentre outros. Os filhos não mais podiam ser tratados de forma desigual. Dessa forma, passou-se a considerar a origem biológica para a determinação da filiação.
Atualmente, o afeto, a convivência e o fator vontade ganharam grande relevância para a determinação da filiação, sobrepondo-se muitas vezes ao fator biológico.
Com a evolução da tecnologia e a evolução da medicina, foi possível chegar a novos métodos de reprodução, como a reprodução assistida heteróloga. Essas técnicas geralmente decorrem de um contrato entre a clínica e o casal e outro, não oneroso, realizado entre a clínica e o doador, os quais estipulam, entre outros regulamentos, o sigilo e anonimato do doador e do receptor. A filiação gera deveres e obrigações e essa cláusula de sigilo e anonimato tem o condão de evitar que o doador venha a questionar seus direitos de genitor em relação ao sujeito gerado,  bem como evitar  que surjam obrigações paterno-filial ao doador.
Ocorre que, embora o Direito seja bastante abrangente e, ainda que com previsão contratual legal, a reprodução de um ser através de um doador de gameta nos permite contemplar o legado de indagações jurídicas que surgem referentes ao estabelecimento do vínculo paterno-materno-filial e seus respectivos direitos e obrigações.
Constituída a filiação, essa gera direitos e deveres, tanto de cunho moral, quanto patrimonial. Os sujeitos da filiação gozam de direitos sucessórios, alimentícios, afetivos, além das garantias dos direitos fundamentais, assim como deveres.
Os direitos e deveres são recíprocos entre pais e filho. Da mesma forma que é obrigação dos pais assistirem o filho em sua educação, alimentação, saúde, lazer, é dever do filho assistir o pai idoso ou incapaz em sua subsistência, saúde e etc.
Para a ocorrência da reprodução assistida heteróloga é necessária a doação de gametas por um voluntário. Para tanto, é preciso garantir ao mesmo que ele não terá qualquer obrigação quanto aos indivíduos gerados em decorrência dessa doação.
No âmbito da reprodução heteróloga, não há que se falar em quebra do anonimato do doador em prol do direito à filiação, pois se não houvesse anonimato, nem sequer existiria sujeito de direito de filiação. Ou seja,  somente pode-se discutir direito à filiação ou direito à origem genética por ter sido assegurado ao doador o direito de anonimato. Considera-se também que hoje a filiação não está mais necessariamente vinculada à origem genética, de forma que a filiação deve ser questionada em relação aos receptores do gameta e não ao doador.
O entendimento predominante é de que por motivos de saúde e força maior seria cabível a quebra do anonimato do doador, todavia, sem efeitos de vinculo à filiação. Alguns juristas em particular entendem pela quebra do anonimato do doador em face do direito à origem genética.
O que se espera do legislador é que torne possível o planejamento familiar daqueles que optam pela reprodução assistida sem terem o risco de enfrentar possíveis litígios referentes à questão da filiação. Tornar possível o planejamento familiar através de referidos métodos prescinde do incentivo à doação de gametas por voluntários, através da garantia de que estes não serão importunados futuramente quanto a isso, a não ser em casos particulares de força maior, onde se pretenda garantir a vida, bem maior de direito fundamental.


Nenhum comentário:

Postar um comentário