domingo, 20 de novembro de 2016

Análise da crise dos refugiados sob a ótica do direito internacional humanitário

Em toda a história, a condição de estrangeiro sempre foi alvo de complicações e formação de conflitos entre os Estados. A maneira como este é tratado em um país que não o seu de origem não implica somente na preocupação se seus filhos terão onde estudar, se haverá oportunidade de emprego ou residência para morar. Mais do que isso, implica a questão da cidadania, especial pressuposto para o reconhecimento de sua existência em um Estado, estando intimamente ligada à observância de Direitos Humanos, particularmente o direito à vida e à dignidade, que se pressupõem serem plenos em qualquer parte do mundo.
Com a sucessão de guerras cada vez mais devastadoras e o advento da Primeira Guerra e, posteriormente, da Segunda Guerra Mundial, com consequências irrecuperáveis, houve uma evolução da consolidação dos Direitos Humanos aplicáveis ao Direito Internacional, o que fez com que o desenvolvimento do Direito Humanitário fosse cada vez mais se atrelando à evolução do próprio Direito Internacional Público.
Após a fundação da ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, as conquistas de olhares mais solidários e de reconhecimento de direitos aos refugiados passaram a crescer e a se tornarem uma constante. Em 14 de dezembro de 1950, a Assembleia Geral da ONU criou o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) com o objetivo de fornecer proteção e assistência às vítimas de perseguição, da violência e da intolerância. Desde então, o instituto já foi responsável por mudar a vida de mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo.
Em Genebra, no ano de 1951, foi convocada uma Conferência de Plenipotenciários das Nações Unidas para redigir uma Convenção cujo objetivo era atender às necessidades de regulamentação da situação legal dos refugiados. Assim, em 28 de julho do mesmo ano, foi adotada a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, que consolidou o dever dos Estados de cumprir com o que foi acordado e, principalmente, de respeitar esses direitos abordados, através de prévios instrumentos legais internacionais relativos aos refugiados, entrando em vigor em 22 de abril de 1954.
Assim, a Convenção, através do Estatuto dos Refugiados, estabeleceu diretrizes básicas sobre como deveria ser o tratamento dos refugiados em cada condição específica. No entanto, para preservar a autonomia e Soberania dos Estados acordantes, não impôs limites ao desenvolvimento desse tratamento.
Não se deve confundir imigração com refúgio, vez que este último é o acolhimento de pessoas perseguidas em razão de sua raça, religião, opiniões políticas, nacionalidade ou de seu grupo social. Assim, faz-se necessária uma regulamentação de quais pessoas especificamente nessas condições seriam consideradas refugiadas.
Os refugiados são pessoas que escaparam de conflitos armados ou perseguições. Com frequência, sua situação é tão perigosa e intolerável que devem cruzar fronteiras internacionais para buscar segurança nos países mais próximos, e então se tornarem um ‘refugiado’ reconhecido internacionalmente, com o acesso à assistência dos Estados, do ACNUR e de outras organizações.
O artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 estabelece o direito de toda pessoa, vítima de perseguição, procurar e gozar asilo em outros países. Nesse sentido, o ato de prestar abrigo e fornecer condições dignas de cidadania ou, ao menos, de condição humana para esse público é uma prática de Direitos Humanos.
Fundamentando-se nos princípios de proteção e respeito aos direitos do homem, a Declaração apresenta o direito de asilo e refúgio como forma de garantir as liberdades fundamentais, sem distinção de qualquer natureza. Assim, no instituto do refúgio pode-se destacar dois momentos.
Primeiramente, o momento no qual ocorrem os motivos causadores da coação que estimula o indivíduo a abandonar o país de origem, ou seja, o momento anterior ao reconhecimento da condição de refugiado. Depois, ocorre o momento posterior ao deslocamento para uma nova vida no país que deve acolhê-lo e protegê-lo. No entanto, a ameaça aos Direitos Humanos dessas pessoas, que estão em condições de vulnerabilidade, relaciona-se com as perseguições que costumam sofrer no país de destino. Tal violação tem sido fortemente sustentada pela ACNUR, principalmente no que diz respeito a uma ameaça à vida ou à liberdade por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou pertencimento a grupo social, que segundo o Comissariado, deve ser sempre considerado perseguição.
Atualmente, com as guerras civis e ataques que ameaçam constantemente os países atingidos, acontece a maior crise de deslocamento forçado desde a Segunda Guerra Mundial, fazendo com que os imigrantes tenham que se refugiar em outro país, que nem sempre os vê com bons olhos ou lhes oferece condições dignas de subsistência.
Os governos dos países desenvolvidos tendem a ver as pessoas que chegam ilegalmente às suas portas como uma ameaça. A Austrália, por exemplo, tem um programa para receber um número limitado de imigrantes legais. Os ilegais são recolhidos em centros de detenção como o de Woomera, que fica isolado no meio de um deserto.
Embora a impressão divulgada seja de que os refugiados costumam procurar os países mais ricos, os novos índices têm indicado que são os países em desenvolvimento os mais procurados pelo fato de aceitarem a maioria dos imigrantes em situação de refúgio. No entanto, ainda é grande a procura pelos países Europeus, pelo fato da boa qualidade de vida, economia estável, educação, saúde e possibilidade de novas oportunidades.
Somente no primeiro semestre de 2015, mais de 350.000 pessoas deslocaram-se de países islâmicos, sobretudo da Síria e da Líbia, em direção à Europa, com destaques de maior índice imigratório para a Itália e a Grécia. A Primavera Árabe, ocorrida em 2011, foi palco para o desenvolvimento da guerra civil na Síria, que se estende até hoje. Desde então, os países muçulmanos vizinhos, como a Turquia, passaram a receber um enorme contingente de refugiados, que fugiam das condições catastróficas a que seu país estava submetido. No entanto, de um certo ponto em diante, quando esses países perceberam que a situação estava fora de controle, passaram a restringir a entrada desses refugiados.
As razões para esse fenômeno de migração forçada é, principalmente, a instabilidade política que as guerras civis recorrentes nos países de origem provocam, em especial a guerra na Síria, marcada pela atuação terrorista da facção Estado Islâmico, que está disseminando sua população e realizando atrocidades que o ao mundo inteiro surpreendem.
Outro fator desencadeante dessa situação é que os demais países muçulmanos, particular e principalmente os vizinhos à Síria e os países localizados na região do Golfo Pérsico, se recusam e apresentam resistência em acolher os refugiados, famílias inteiras que agora partem em direção ao leste e ao sul da Europa em busca de abrigo.
Os imigrantes sírios, por exemplo, entraram de forma massiva em países da Europa, tendo como principal portão de acesso os litorais da Grécia e da Turquia. Para chegar ao destino, a maioria arrisca a vida em travessias perigosas pelo Mar Mediterrâneo, a bordo de botes infláveis e barcos clandestinos.
Nesse contexto, o posicionamento dos países europeus sobre a aceitação ou não dos refugiados é um fato que tem gerado uma crise de essência simultaneamente ética e política, com reflexos em diversos campos da sociedade. Os especialistas que estudam as condições as quais esses refugiados estão submetidos têm levantado questões a respeito da trajetória percorrida por eles até o novo local de abrigo, das quais muitos não sobrevivem, chegando a ser um método cruel de extermínio.
Outro ponto importante é a questão relacionada à capacidade de países em plena crise econômica, como a Grécia, acomodarem, fornecerem emprego, educação e assistência social a milhares de refugiados, muitos deles que não possuem ao menos identificação e que já perderam a sua cidadania. Além disso, a diversidade cultural existente entre muçulmanos e europeus representa uma ameaça à vida pacífica nesses locais, principalmente quando atuam no âmbito moral, religioso e de condutas que devem ser seguidas de acordo com a sua fé.
É nesse ponto que surgem as controvérsias e discussões que estão transformando a situação em um caos, totalmente fora de controle, e que, de certa forma, representa também uma ameaça à estabilidade do país de abrigo. Vale destacar também que nos países europeus acolhedores existe uma constante preocupação com as possíveis ligações que essas pessoas, muitas delas indeterminadas, possam manter com os grupos terroristas, tais como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, o que é absolutamente facilitado nas presentes circunstâncias.
Recentemente, os noticiários estamparam o novo discurso do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, que, tendo em vista os acontecimentos atuais, passou a pregar a necessidade de que os países acolhedores proporcionem respeito e dignidade aos indivíduos refugiados da África, Síria, Afeganistão e Iraque, que vivenciaram um terrorismo constante em seus países de origem a ponto de não encontrarem outra alternativa a não ser se refugiar, pois não havia mais esperança de vida ou dignidade para eles próprios e suas famílias.
Com isso, a ONU tem trabalhado a questão de despertar nos países que abrigam esses refugiados o interesse por melhor acolhê-los e protegê-los, dada a sua situação de vulnerabilidade em Direitos Humanos. Assim, a Organização visa estimular a comunidade internacional a desenvolver uma resposta global para o fluxo de população em massa. Nesse sentido, a visão que os países têm dos imigrantes como criminosos, buscando detê-los, impede a integração dos mesmos com a população local, sendo um obstáculo ao desenvolvimento de uma vida normal no novo local de residência. É preciso oferecer mais oportunidades para essas pessoas, mais condições dignas, com legalização e segurança, bem como ações de assistência social frente a tal carência de recursos de uma situação que acaba por financiar o contrabando e o tráfico de pessoas.
Por fim, destaca-se a importância do Direito Internacional Humanitário no tratamento aos refugiados, principalmente em um momento em que a sua vida e dignidade se encontram tão ameaçadas. Nesse ponto, é também papel da ONU e da ACNUR, como referência em Direitos Humanos voltados para as pessoas em situação de refúgio, estabelecer políticas que devam ser seguidas por todos os Estados, a fim de controlar a situação para preservar os direitos desses indivíduos, de modo a evitar que se torne um cenário natural assistir o drama dos refugiados e se acomodar com essa situação, que é absolutamente desumana e inaceitável.


      

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