quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Sistema Penitenciário, Falido!

          Em todos os tipos de sociedade existem regras de conduta que são necessárias para a convivência harmoniosa, sejam elas codificadas ou não.
Antigamente, na civilização de povos primitivos, as regras de convívio não eram codificadas e não existia um órgão estatal que garantisse o cumprimento do direito. Dessa forma, para a satisfação de sua pretensão, o indivíduo tinha que agir por si só, através de seus próprios meios. A repressão aos atos criminosos se dava por regime de vingança privada.
Nas sociedades pós-modernas, o Estado passou a exercer a função do famoso ius puniendi e jus punitions. Ou seja, o Estado chamou para si o poder de legislar e o poder de punir.
As normas penais são regras que proíbem ou impõem um determinado comportamento, prevendo também uma sanção em caso de descumprimento. No âmbito penal, o  Estado deve considerar o direito de liberdade como regra, pois intrínseco a todos os homens, e a pena, em especial a pena privativa de liberdade, como exceção ao direito de liberdade. Assim, o direito de liberdade é a regra, mas que deve ceder em caso de prática de infração penal.
Perceba que os direitos inerentes à pessoa não cedem em virtude da prática de crime. A privação à liberdade não permite a inobservância aos direitos fundamentais e demais normas que proíbem tratamentos desumanos. Assim, os direitos de intimidade, honra, dignidade, integridade moral e física devem ser preservados, inclusive quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade.
Mesmo com tantas normas prevendo direitos humanos fundamentais, muitos deles são desrespeitados na prática. A atual preocupação não é adquirir novos direitos, mas impedir que os direitos já positivados sejam violados.
O preso, embora tenha seu direito de liberdade cerceado, continua sendo sujeito de direitos e deve ser tratado de forma digna, sendo observados todos os direitos fundamentais.

Não é isso o que ocorre na prática!

Os presídios são verdadeiros depósitos humanos, onde homens são jogados pelo Estado, que não oferece condições adequadas para o cumprimento de pena. As celas são fedorentas, úmidas, frias ou quentes demais e não possuem ventilação apropriada. A comida, a famosa “xepa”, é de péssima qualidade e muitas vezes fornecida estragada.

       Grande parte dos presídios brasileiros lida com superlotação, talvez o mais grave problema enfrentado pelo sistema. De acordo com os últimos dados coletados pelo DepartamentoPenitenciário Nacional, referentes a Dezembro de 2014, o número de presos era de 622.202, enquanto o nº de vagas no sistema prisional era de 371.884, significando que a taxa de ocupação é de 167% da capacidade.
Não foram divulgados dados recentes relativos à população carcerária, mas sabe-se que, ainda que haja um crescimento contínuo de número de vagas em presídios, este não acompanha o acentuado crescimento da população carcerária.
Devido à superlotação, muitos presos dormem no chão, pendurados em redes ou até mesmo amarrados às grades das celas.

Com a superlotação, os crimes dentro dos presídios aumentaram, rebeliões se tornaram mais comuns e a promiscuidade se estendeu.

Outros problemas corriqueiros são as condições precárias de higiene e a ausência de acompanhamentos médico e psicossocial. Condições adequadas de higiene evitam doenças. Acompanhamentos médico e psicossocial evitam o alastramento de doenças, assim como evitam situações de maus tratos, espancamentos e outras violências muitas vezes sofridas pelos encarcerados.
Muitos são os encarcerados contaminados por doenças dentro dos presídios que, ao terem relações com suas esposas em visitas íntimas, disseminam as doenças para o restante da sociedade.
Não podemos esquecer da corrupção por parte de agentes penitenciários. Os presos são extorquidos para obterem direitos que lhes deveriam ser fornecidos pelo Estado, como local para dormir, comida e produtos de higiene pessoal (escova de dente, sabonete, papel higiênico).
Se você pensa que é assim que deve ser, observe que a corrupção não se restringe à extorsão dos presos. Muitos servidores facilitam o crime organizado. Alguns exemplos são o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho, que são facções criminosas comandadas por detentos que atuam ativamente de dentro dos presídios. Os agentes facilitam também o ingresso de drogas, bebidas alcoólicas e armas.


O recebimento de visitas de familiares e amigos são fundamentais no processo de ressocialização do preso. No entanto, o sistema, quando não impede, dificulta as visitas e muitas vezes coloca os visitantes em situações vexatórias.





São diversas as violações aos direitos fundamentais e às legislações. O ponto em que pretendo chegar é a falência do sistema penitenciário!


Qual o objetivo da pena?
Mais que reprovar o agente pelo ato ilícito praticado, a pena tem a função de prevenir que futuros delitos ocorram, tem como finalidade a ressocialização do preso.
Em geral, a sociedade busca a execução da pena privativa como vingança. Consideram como regalia tudo o que deveria ser visto com normalidade: como alimentação, recebimento de visitas, banho e celas apropriadas. Comuns são os comentários: “tem que matar todo mundo!”, “Que direitos humanos o quê, tem é que sofrer!”. No entanto, como pronuncia Oscar Emilio Sarrule, “a vingança implica uma paixão, e as leis, para salvar a racionalidade do direito, devem ser isentas de paixões”[1].
Quando se fala em pena por vingança, temos os olhares voltados ao passado, “olho por olho, dente por dente”. Enquanto que, ao  tratar a pena como meio de ressocialização do indivíduo, o foco está voltado para o futuro, objetivando evitar novos delitos.
O Código Penal brasileiro adotou a pena como meio de reprovação e prevenção do crime. É necessário punir o sujeito autor de crime, mas de forma a prevenir a reincidência.
Para prevenir a reincidência, é necessário investir na reeducação e reinserção dos presidiários na sociedade. O sistema penitenciário deve ser reformado na prática, através do preparo adequado dos agentes penitenciários, para evitar prática de crimes dentro dos próprios presídios; do oferecimento de celas e ambientes adequados para o cumprimento da pena; do oferecimento de trabalho e estudo durante o cumprimento de pena, bem como atividades físicas;  do oferecimento de assistências médica e psicossocial adequadas e tudo o que for necessário para a garantia dos direitos fundamentais.
O objetivo do presente texto é induzir o leitor a refletir sobre a situação carcerária brasileira e a necessidade e importância de sua reforma.
Devemos lembrar que as pessoas que estão sendo tratadas de forma desumana retornarão ao convívio social.

Cabe a nós decidir se retornarão melhores ou piores!



Portanto, se você não reconhece os presos como sujeitos de direitos e não os vê como seres que precisam de assistência e cuidados, tudo bem! Mas lembre que esse seres um dia retornarão às ruas e é de extrema importância, inclusive para sua segurança e de seus familiares, que voltem reeducados, acreditando na possibilidade de uma vida digna, alcançada através do trabalho lícito.




Referências:
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 13ª edição – Niterói, RJ: Impetus, 2011.
GRECO, Rogério. Sistema Prisional: colapso atual e soluções alternativas. 3ª edição – Niterói, RJ: Impetus, 2016.
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.phpn_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=129





[1] SARRUELE, Oscar Emílio. Las crisis de legitimidad del sistema jurídico penal. In: GRECO, Rogério. Sistema Prisional: colapso atual e soluções alternativas. 3ª edição – Niterói, RJ: Impetus, 2016. p.218

4 comentários:

  1. Excelente reflexão. Penso que ainda vivemos numa sociedade primitiva no que diz respeito a convivência e dignidade, respeito, igualdade e educação.

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    1. Obrigada! Temos muito o que evoluir ainda! Acredito que com a conscientização de cada um, conseguiremos chegar lá!

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  2. Excelente reflexão. Penso que ainda vivemos numa sociedade primitiva no que diz respeito a convivência e dignidade, respeito, igualdade e educação.

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  3. Boa introdução. No entanto, penso que devemos tomar muito cuidado para não fazermos uso de conceitos do senso comum. Pois a nós, os "operadores do Direito", há termos que fogem dos preconceitos, e este é o nosso dever. Adorei o final, fez uma análise envolvente e chama o leitor para a reflexão. Parabéns Doutora! <3

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