Em todos os tipos de sociedade existem
regras de conduta que são necessárias para a convivência harmoniosa, sejam
elas codificadas ou não.
Antigamente, na civilização de povos
primitivos, as regras de convívio não eram codificadas e não existia um órgão
estatal que garantisse o cumprimento do direito. Dessa forma, para a satisfação
de sua pretensão, o indivíduo tinha que agir por si só, através de seus
próprios meios. A repressão aos atos criminosos se dava por regime de vingança
privada.
Nas sociedades pós-modernas, o Estado
passou a exercer a função do famoso ius
puniendi e jus punitions. Ou
seja, o Estado chamou para si o poder de legislar e o poder de punir.
As normas penais são regras que proíbem ou impõem um determinado comportamento, prevendo também uma sanção
em caso de descumprimento. No âmbito penal, o Estado deve considerar o direito de liberdade como
regra, pois intrínseco a todos os homens, e a pena, em especial a pena
privativa de liberdade, como exceção ao direito de liberdade. Assim, o direito
de liberdade é a regra, mas que deve ceder em caso de prática de infração
penal.
Perceba que os direitos inerentes à
pessoa não cedem em virtude da prática de crime. A privação à liberdade não
permite a inobservância aos direitos fundamentais e demais normas que proíbem
tratamentos desumanos. Assim, os direitos de intimidade, honra, dignidade,
integridade moral e física devem ser preservados, inclusive quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade.
Mesmo com tantas normas prevendo direitos
humanos fundamentais, muitos deles são desrespeitados na prática. A atual preocupação não é adquirir novos direitos, mas impedir que os direitos já
positivados sejam violados.
O preso, embora tenha seu direito de
liberdade cerceado, continua sendo sujeito de direitos e deve ser tratado de
forma digna, sendo observados todos os direitos fundamentais.
Não é isso o que ocorre na prática!
Os presídios são verdadeiros depósitos
humanos, onde homens são jogados pelo Estado, que não oferece condições adequadas
para o cumprimento de pena. As celas são fedorentas, úmidas, frias ou quentes
demais e não possuem ventilação apropriada. A comida, a famosa “xepa”, é de
péssima qualidade e muitas vezes fornecida estragada.
Grande parte dos presídios brasileiros lida com superlotação, talvez o mais grave problema enfrentado pelo sistema. De acordo com os últimos dados coletados pelo DepartamentoPenitenciário Nacional, referentes a Dezembro de 2014, o número de presos era de 622.202, enquanto o nº de vagas no sistema prisional era de 371.884, significando que a taxa de ocupação é de 167% da capacidade.
Não foram divulgados dados recentes
relativos à população carcerária, mas sabe-se que, ainda que haja um
crescimento contínuo de número de vagas em presídios, este não acompanha o
acentuado crescimento da população carcerária.
Devido à superlotação, muitos presos dormem no chão, pendurados em redes ou até mesmo amarrados
às grades das celas.
Com a superlotação, os crimes dentro
dos presídios aumentaram, rebeliões se tornaram mais comuns e a promiscuidade
se estendeu.
Outros problemas corriqueiros são as
condições precárias de higiene e a ausência de acompanhamentos médico e psicossocial.
Condições adequadas de higiene evitam doenças. Acompanhamentos médico e
psicossocial evitam o alastramento de doenças, assim como evitam situações de
maus tratos, espancamentos e outras violências muitas vezes sofridas pelos
encarcerados.
Muitos são os encarcerados contaminados por doenças dentro dos presídios que, ao terem relações com suas
esposas em visitas íntimas, disseminam as doenças para o restante da sociedade.
Não podemos esquecer da corrupção por
parte de agentes penitenciários. Os presos são extorquidos para obterem
direitos que lhes deveriam ser fornecidos pelo Estado, como local para dormir,
comida e produtos de higiene pessoal (escova de dente, sabonete, papel
higiênico).
Se você pensa que é assim que deve
ser, observe que a corrupção não se restringe à extorsão dos presos. Muitos
servidores facilitam o crime organizado. Alguns exemplos são o Primeiro Comando
da Capital (PCC) e o Comando Vermelho, que são facções criminosas comandadas
por detentos que atuam ativamente de dentro dos presídios. Os agentes facilitam
também o ingresso de drogas, bebidas alcoólicas e armas.
O recebimento de visitas de familiares e amigos são fundamentais no processo de ressocialização do preso. No entanto, o sistema, quando não impede, dificulta as visitas e muitas vezes coloca os visitantes em situações vexatórias.
São diversas as violações aos direitos fundamentais e às legislações. O ponto em que pretendo chegar é a falência do sistema penitenciário!
Qual
o objetivo da pena?
Mais que reprovar o agente pelo ato
ilícito praticado, a pena tem a função de prevenir que futuros delitos ocorram,
tem como finalidade a ressocialização do preso.
Em geral, a sociedade busca a execução
da pena privativa como vingança. Consideram como regalia tudo o que deveria ser
visto com normalidade: como alimentação, recebimento de visitas, banho e celas
apropriadas. Comuns são os comentários: “tem que matar todo mundo!”, “Que
direitos humanos o quê, tem é que sofrer!”. No entanto, como pronuncia Oscar
Emilio Sarrule, “a vingança implica uma paixão, e as leis, para salvar a
racionalidade do direito, devem ser isentas de paixões”[1].
Quando se fala em pena por vingança,
temos os olhares voltados ao passado, “olho por olho, dente por dente”.
Enquanto que, ao tratar a pena como meio de ressocialização do indivíduo, o foco
está voltado para o futuro, objetivando evitar novos delitos.
O Código Penal brasileiro adotou a
pena como meio de reprovação e prevenção do crime. É necessário punir o sujeito
autor de crime, mas de forma a prevenir a reincidência.
Para prevenir a reincidência, é
necessário investir na reeducação e reinserção dos presidiários na sociedade. O
sistema penitenciário deve ser reformado na prática, através do preparo
adequado dos agentes penitenciários, para evitar prática
de crimes dentro dos próprios presídios; do oferecimento de celas e
ambientes adequados para o cumprimento da pena; do oferecimento de trabalho e
estudo durante o cumprimento de pena, bem como atividades físicas; do oferecimento de assistências médica e
psicossocial adequadas e tudo o que for necessário para a garantia dos direitos
fundamentais.
O objetivo do presente texto é induzir
o leitor a refletir sobre a situação carcerária brasileira e a necessidade e
importância de sua reforma.
Devemos lembrar que as pessoas que estão sendo tratadas de forma desumana retornarão ao convívio social.
Cabe a nós decidir se retornarão melhores ou piores!
Portanto, se você não reconhece os
presos como sujeitos de direitos e não os vê como seres que precisam de
assistência e cuidados, tudo bem! Mas lembre que esse seres um dia retornarão
às ruas e é de extrema importância, inclusive para sua segurança e de seus
familiares, que voltem reeducados, acreditando na possibilidade de uma vida
digna, alcançada através do trabalho lícito.
Referências:
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 13ª edição –
Niterói, RJ: Impetus, 2011.
GRECO, Rogério. Sistema Prisional: colapso atual e
soluções alternativas. 3ª edição – Niterói, RJ: Impetus, 2016.
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.phpn_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=129
Excelente reflexão. Penso que ainda vivemos numa sociedade primitiva no que diz respeito a convivência e dignidade, respeito, igualdade e educação.
ResponderExcluirObrigada! Temos muito o que evoluir ainda! Acredito que com a conscientização de cada um, conseguiremos chegar lá!
ExcluirExcelente reflexão. Penso que ainda vivemos numa sociedade primitiva no que diz respeito a convivência e dignidade, respeito, igualdade e educação.
ResponderExcluirBoa introdução. No entanto, penso que devemos tomar muito cuidado para não fazermos uso de conceitos do senso comum. Pois a nós, os "operadores do Direito", há termos que fogem dos preconceitos, e este é o nosso dever. Adorei o final, fez uma análise envolvente e chama o leitor para a reflexão. Parabéns Doutora! <3
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