Se você jogar
“Maria da Penha” no google, em poucos minutos vai descobrir que a mulher que
deu nome à lei é cearense, farmacêutica, tem três filhas e foi vítima de
violência doméstica durante anos a fio. Seu marido tentou matá-la por duas
vezes e na última, a deixou paraplégica. Maria fez um escândalo, nunca desistiu
e dezenove anos depois – sim, quase duas décadas – seu agressor foi preso, o
caso chegou ao conhecimento da Comissão
Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos (OEA)
e fez com que fosse sancionada a Lei nº 11.340/2006, cunhada de seu nome e com a premissa de
proteger de forma mais severa, as mulheres vítimas de violência.
A história é bonita, uma superação sem fim, mas e o dispositivo legal, será que
funciona?
Em 2016, a lei completou seus dez anos, nesse quais, em mais uma breve
pesquisa, pode-se ver que seus números se mostram sempre inconclusivos, o que
nos evidencia uma falha em sua aplicação, embora, segundo IBGE, por ano, mais
ou menos um milhão de mulheres sejam vítimas só de violência doméstica em nosso
país e que só Sergipe, dentre nossos vinte e seis estados – e o DF – tem dados
completos desde o ano de início de vigência da lei, sobre condenações e sua
aplicação.
O IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – nos traz a estimativa de
que dentro deste 1,2 milhão de mulheres em situação de violência que o senso contabiliza
por ano, apenas 500 mil casos chegam ao conhecimento da polícia. O porquê de
isso acontecer, pode ter várias razões, dentre elas, nos cabe lembrar que até
1995 a mulher não podia prestar queixa em delegacias contra seu cônjuge e até o
ano de 2009, três após a criação da lei, o crime de estupro era considerado
crime contra os costumes e não contra a dignidade sexual. Esses fatos, somados
a diversos relatos de atendimentos regados a descaso nas delegacias
especializadas no atendimento da mulher podem ser o denominador comum que
resulta na ineficácia desse dispositivo tão importante reconhecido mundialmente.
A lei versa sobre coibir a violência, mas não só sobre isso, através dela nos
vimos diante de um novo patamar de proteção às vítimas, podendo adotar medidas
protetivas e assecuratórias para zelar a vida das mesmas e traz ainda, em seu
título terceiro, sobre a promoção de estudos, celebração de convênios e
protocolos, campanhas educativas sobre o assunto e até capacitação de nossas
polícias e corpos de bombeiro para o atendimento especial destes casos. E é
neste último ponto, que novamente saliento, que se recai o problema.
As delegacias da mulher existem há trinta anos, tendo então mais do dobro da
idade da criação da lei, mas o comportamento dentro das mesmas pouco mudou
desde então. Com profissionais desestimulados e com remunerações baixas, sem
investimento em capacitação e tampouco em sua sensibilidade, o acolhimento
acaba sendo feito de forma similar à de delegacias comuns, faltando o tato e a
seguridade psicológica garantida praquelas que ali chegam.
A idéia de se criar uma delegacia da mulher não teve
origem nos movimentos feministas e de mulheres mas sim, em resposta às críticas
feministas sobre o atendimento policial a mulheres em situação de violência, que
fez o então Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, apresentar
ao governo e ao movimento a idéia de se criar uma delegacia da mulher, a ser
composta por policiais do sexo feminino e especializada em crimes contra
mulheres. Então, em agosto de 1985, foi criada a “Primeira Delegacia de Polícia
de Defesa da Mulher” do Brasil e da América Latina (Decreto 23.769/1985). Tal feito foi amplamente coberto por todas as
mídias ao seu alcance e desde então vem sempre sendo ressaltada sua importância,
mas o movimento feminista – e as vítimas por alí atendidas - vem também, desde a época, afirmando que não
bastariam que fossem apenas mulheres atendendo mulheres, mas que seria
necessária essa capacitação, que anos depois, veio a Lei nº 11.340/2006
defender, exigir e garantir.
Embora a finalidade da delegacia fosse receber vítimas de
violências físicas e sexuais cometidas por desconhecidos, foram surpreendidos
pelo número de mulheres agredidas no seio de seus lares e o intuito desse
ambiente, que era dar um atendimento mais humanizado e acolhedor em todos esses
casos, começou a ser, de forma assustadoramente recorrente, denunciado do
contrário.
Vemos vítimas dizendo que passaram uma vida inteira de violência por medo de denunciar,
já que os casos de queixas mal sucedidas ou pouco eficazes, são alarmantes.
Relatos surgem todos os dias nos tabloides e coletivos feministas: delegadas
que menosprezam a vítima, juízes que afirmam que as mesmas “gostam de apanhar”
e até mesmo as prendem em celas masculinas, deixando-as a mercê de novas
violências físicas, sexuais e até a morte, como vimos recentemente em um caso
amplamente divulgado. Tudo isso me leva a crer, mais uma vez, que na prática, a
teoria é outra e então, trazer o questionamento e levantar o debate, que é mais
uma vez o objetivo do meu post: o que precisamos fazer para que um dispositivo
tão fundamentado, consistente e importante venha se fazer valer da forma que
precisamos?
É
sabido que temos verbas o suficiente para a capacitação, conscientização e
todos os outros termos usados exaustivamente nesse texto no âmbito de criar um
ambiente propício e auspicioso às mulheres que dele necessitam. Mas talvez,
seja preciso, com urgência, que se mude nossa cultura, sem que se façam valer
vidas pela incompetência do judiciário e do governo em sanar estes problemas.
Quem sabe, não seria um começo, se antes de nos vangloriarmos pela lei
reconhecida mundialmente, mudássemos nossos lemas populares, porque em briga de
marido e mulher, deve-se, sem titubear, meter a colher, as leis e as algemas.
Mulher não gosta de apanhar, ninguém gosta. Não existe “mulher de bandido”,
existe mulher. E por fim, se as Marias vão com as outras, quem sabe não seja a
hora de ir com a Penha, fazer valer um direito que foi garantido a base de um
tiro na espinha e cadeira de rodas, suado e chorado, importante demais para ser
agora, ineficaz por falta de foco e em nossas delegacias ignorado.A lei é das Marias... E nossas delegacias, são de quem?
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REFERÊNCIAS
As Políticas Públicas em Goiás na Efetivação de Lei Maria da Penha, editora PUC Goiás
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htmhttp://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/08/delegacia-da-mulher-deu-inicio-ha-30-anos-a-politicas-de-combate-a-violenciahttp://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=25248
As Políticas Públicas em Goiás na Efetivação de Lei Maria da Penha, editora PUC Goiás
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htmhttp://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/08/delegacia-da-mulher-deu-inicio-ha-30-anos-a-politicas-de-combate-a-violenciahttp://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=25248
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