sábado, 29 de outubro de 2016

Planejamento tributário internacional: a prática do “treaty shopping” e a elisão fiscal.

A expressão “treaty shopping” nasceu nos Estados Unidos a partir do termo “fórum shopping”, instituto utilizado no processo civil americano. Através deste instituto, o litigante tentava eleger a melhor jurisdição, para que esta lhe desse a melhor prestação jurisdicional, ou seja, um resultado mais favorável ao seu pleito.
   
Neste mesmo viés, percebemos que nas atuais operações de “treaty shopping” o contribuinte visa se favorecer de um acordo de bitributação do qual o seu país de origem não seja beneficiário, buscando o melhor país para estabelecer as chamadas “empresas-canais” e usufruir dos melhores acordos tributários.
   
Vejamos como isso acontece.
 
A bitributação ocorre quando o mesmo fato gerador é tributado duas vezes por entes diferentes.
   
Os acordos de bitributação são meios de evitar tal prejuízo fiscal, estabelecendo regras para repartir, entre os países, a receita da tributação de renda de cinco operações: lucros, royalties, juros, serviços e dividendos. Assim, visam dar isonomia ao investidor no exterior em relação aos concorrentes estrangeiros, evitar a dupla tributação e as elisões fiscais (sonegação), aumentar a segurança jurídica para os investidores, e estimular os investimentos estrangeiros no país.
     
Mas o que acontece quando uma empresa busca realizar uma operação comercial e o seu país sede não possui acordo de bitributação com o país de destino? Bom, a alternativa que vem sendo utilizada para evitar pagar carga majorada do tributo é a prática do treaty shopping.
     
Vamos imaginar uma pessoa física residente no Brasil e que detém investimentos em uma sociedade americana.
           
Partindo-se do pressuposto que Brasil e Estados Unidos não têm entre si um tratado de dupla tributação, esta pessoa constitui uma 
holding (filial subsidiária) na Hungria com o propósito único de se beneficiar do tratado estabelecido entre Estados Unidos e Hungria, que prevê uma redução de alíquota de retenção na fonte sobre os dividendos:



Desta forma, os rendimentos sofrem uma carga tributária mais leve, conseguindo fazer uso dos benefícios do acordo de bitributação.
 
Uma das principais problemáticas que envolvem o treaty shopping é a questão da aferição de sua ilegalidade, pois existem debates em que sua legalidade pode ser sustentada com base na autonomia da vontade, a não obrigatoriedade de selecionar o caminho com maior carga fiscal ou mesmo pelos deveres do administrador da sociedade de empregar recurso de forma a atingir os objetivos estatutários da empresa.
           
A sua ilegalidade, de outro lado, encontra respaldo na figura da fraude à lei ou mesmo pelo reconhecimento do abuso de direito, por ser inaceitável a seleção pessoal da competência tributária. Apesar do aparente benefício comercial, esta prática é vista pelos Estados como meio de elisão fiscal, e cada vez mais crescem as medidas para evitar o aparecimento das empresas “de fachada” nos territórios dos países.
         
Também tem sido levantado que o treaty shopping infringe a reciprocidade de um tratado e altera a balança de concessões aí atingidas entre os dois Estados contratantes. Quando o residente de um terceiro país usufrui de determinado tratado, as concessões do convênio são estendidas ao Estado não participante desse acordo, que não tem para com os contratantes deveres e direitos recíprocos.

Por depender de decisão política, é, atualmente, grande desafio indicar o tratamento mais adequado a ser adotado em relação ao
treaty shopping. No Brasil, já se observa que em alguns tratados celebrados foram incluídas cláusulas limitativas de tais benefícios. 

A título de singelo palpite, a melhor saída seria a que se ponderasse até que ponto a utilização do treaty shopping irá trazer benefícios para a economia, dinamizando o mercado global, sem causar impacto relevante às receitas tributárias.


Referências

BECKER, Helmut e Wurm, Felix J. Treaty Shopping – An Emerging Tax Issue and its Presents Status in Various Countries, 1988. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. Planejamento Fiscal Através de Acordos de Bitributação: Treaty Shopping. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tratados Internacionais em Matéria Tributária e Ordem Interna.1. ed. São Paulo: Dialética, 1999.
TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário Internacional: Planejamento Tributário e Operações Transacionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais
Tratados Internacionais em Matéria Tributária. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, v.5.
SCHOUERI, Luis Eduardo. Planejamento fiscal através de acordos de bitributação: treaty shopping. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1995.
FERNANDES, Rayneider Brunello Oliveira; BONITO, Rafhael Frattari. Treaty shopping: Planejamento tributário no plano internacional ou forma de abuso de direito. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro, v. 1, n. 23, 2013.

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