domingo, 9 de outubro de 2016

Lex mercatoria e arbitragem comercial internacional

Frente ao processo contínuo de globalização houve grande evolução das relações internacionais, especialmente as relações comerciais, e, dessa forma, surge a necessidade da existência de regras mais uniformes que facilitem o comércio internacional, afastando a incerteza da aplicação de normas jurídicas nacionais conflitantes e que não acompanham a evolução dinâmica dos negócios internacionais.
Nesta perspectiva tem-se, então, a Lex Mercatoria como uma forma comum de regulação das relações internacionais privadas e como meio de solução dos conflitos advindos dos contratos internacionais. Isso acontece, efetivamente, através da arbitragem, ou seja, a Lex Mercatoria e a arbitragem andam juntas no que tange às alternativas dos agentes do comércio internacional para regulação e solução dos conflitos advindos de suas relações contratuais.
A Lex Mercatoria não é inovação jurídica, surgiu do esforço da comunidade de comerciantes da Idade Média em superar as regras inadequadas e obsoletas das leis feudais e romanas que não mais respondiam às suas necessidades, criando um conjunto de regras uniformes e obrigatórias para reger as relações comerciais, constituindo uma lei mercantil de caráter cosmopolita baseada em usos e costumes comerciais.
Após passar por um período de declínio em face das grandes codificações, surge na atualidade uma nova Lex Mercatoria como um conjunto de costumes e de regras que visa regular o comércio internacional, com poder normativo independente das legislações nacionais.
Embora alvos de muitos debates, ainda não se chegou a uma definição pacífica do conceito e caracterização da Lex Mercatoria contemporânea.
Segundo Berthold Goldmann “a Lex Mercatoria é um conjunto de princípios, instituições e regras costumeiras, espontaneamente referidos ou elaborados no quadro do comércio internacional, sem referência a um sistema particular de lei nacional”. [1]
Para Goldmann, a nova Lex Mercatoria surge como uma forma encontrada, principalmente pelos contratantes, de superar os percalços advindos das regras e soluções oferecidas pelos sistemas nacionais de lei, utilizando-se então esse conjunto de normas, fruto da autonomia da vontade, que através da prática reiterada e efetiva nas relações comerciais internacionais e arbitragem formou um corpo autônomo de direito. [2]
Nessa linha, a arbitragem internacional, regulada no Brasil pela Lei nº 9.307/96, constitui um meio alternativo à jurisdição estatal para solução de conflitos, utilizada no comércio internacional justamente por permitir o uso do direito da forma mais adequada às exigências dos agentes deste ramo.
Observa-se vínculo estreito entre a Lex Mercatoria e a arbitragem internacional, podendo-se afirmar que a “lex mercatoria manifesta-se através de seus laudos arbitrais, e sua constante utilização no plano internacional serve de emergência de um direito com normas próprias adequadas aos usos e costumes do comércio internacional”. [3]
É na arbitragem internacional que as partes envolvidas em uma relação contratual em que exista um elemento de conflito encontrarão o abrigo para utilização da Lex Mercatoria como direito aplicável a um litígio oriundo daquele contrato, já que a autonomia da vontade é tida como um dos princípios fundamentais do instituto da arbitragem.
Assim, para Strenger: “o regime arbitral é o que melhor exprime a independência do comércio internacional no que concerne à solução de seus problemas, residindo nos textos de suas decisões os melhores repositórios para justificar a Lex Mercatoria” e conclui, acentuando que: “com efeito, a arbitragem tem sido campo fértil para justificar a implantação da Lex Mercatoria, dada a sua crescente desvinculação, seja das leis impositivas nacionais, seja das jurisdições estatais”. [4]
A respeito do nível de popularidade alcançado pela arbitragem, estima-se que em 90% dos contratos comerciais internacionais existe a previsão de cláusula arbitral, e, ainda mais especificamente, é tido que na totalidade dos contratos internacionais referentes à construção de complexos industriais e projetos de construção similares, há a presença de cláusula arbitral. [5]
Ao se realizar uma análise comparativa entre o recurso aos tribunais estatais e a arbitragem internacional é possível reconhecer vários argumentos que apontam a arbitragem como melhor meio para solução dos conflitos oriundos dos contratos internacionais, principalmente aqueles pertencentes ao âmbito do comércio internacional.
Como primeiro ponto, deve-se destacar que através da arbitragem se alcança uma agilidade muito superior na solução de um conflito se comparado aos tribunais estatais. Quando se submete uma lide à arbitragem, há, em regra, uma previsão de prazo dentro do qual a sentença arbitral deve ser proferida, que é bastante curto.
Outro fato que destaca as vantagens do uso da arbitragem, principalmente para os operadores do comércio internacional, é o privilégio que as partes têm de escolha dos árbitros, podendo, desta forma, escolher o árbitro ou tribunal arbitral com a qualificação, técnica e experiência necessárias para julgar sua lide, que muitas vezes é juridicamente complexa, ao contrário dos juízes estatais, que em regra não são especializados em resolver conflitos desta natureza.
Ressalta-se ainda a ampla autonomia da vontade oferecia pelo direito arbitral como uma das maiores vantagens deste em relação à jurisdição estatal, em particular ao Judiciário brasileiro, haja vista que na arbitragem as partes podem escolher as regras procedimentais e ainda o direito aplicável, inclusive a Lex Mercatoria, de acordo com as necessidades de sua lide.
       Por fim, há que se fazer duas considerações: primeiro é que a utilização da Lex Mercatoria é um meio facilitador das relações comerciais internacionais, através de regras atualizadas e condizentes com a realidade do comércio internacional, o que também vem a oferecer maior segurança jurídica para as partes, já que não há dúvida sobre o direito a ser aplicado na relação contratual; e segundo que o instituto da arbitragem internacional mostra-se ser talvez a melhor alternativa para solução dos conflitos derivados das relações do comércio internacional, porque é nele que se encontra guarida para utilização da Lex Mercatoria como direito aplicável, e também, por constituir um meio mais seguro e rápido de solução de um litígio.


Referências

[1] OLIVEIRA MAZZUOLI, Valerio de. A nova lex mercatoria como fonte do direito do comércio internacional: um paralelo entre as concepções de Berthold Goldmann e Paul Lagarde. In: FIORATI, J. J.. Novas vertentes do direito do comércio internacional. Barueri: Manole, 2003, p. 200.
[2] GOLDMANN, 1964 apud STRENGER, 1996, p. 72.
[3] STRENGER, Irineu. Direito do Comércio Internacional e Lex Mercatoria. São Paulo: LTr, 1996, p. 70.
[5] RECHSTEINER, Walter Beat. Arbitragem privada internacional no Brasil: depois da nova lei 9.307, de 23.09.1996: teoria e prática. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 15.
Lei Modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional. Disponível em: http://www.uncitral.org/, acesso em 08/10/2016.
FIORATI, Jete Jane. A lex mercatoria como ordenamento jurídico autônomo e os Estados em desenvolvimento. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 41 n.164, p 17-30, out/dez. 2007.
ALMEIDA SANTOS, Cláudio Francisco de. Os princípios fundamentais da arbitragem. In: CASELLA, Paulo Borba (Coord.). Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. 2. ed., rev. e ampl. São Paulo: LTr Editora, 1999.
PIRES, Eduardo e ARAÚJO, Neiva Cristina. Lex Mercatoria e arbitragem internacional: alternativas para regulação e solução de conflitos do comércio internacional. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/07_1713.pdf . Acesso em: 08/10/2016.

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