Frente ao processo contínuo de
globalização houve grande evolução das relações internacionais, especialmente
as relações comerciais, e, dessa forma, surge a necessidade da existência de
regras mais uniformes que facilitem o comércio internacional, afastando a
incerteza da aplicação de normas jurídicas nacionais conflitantes e que não
acompanham a evolução dinâmica dos negócios internacionais.
Nesta perspectiva tem-se, então, a Lex Mercatoria como uma forma comum de
regulação das relações internacionais privadas e como meio de solução dos
conflitos advindos dos contratos internacionais. Isso acontece, efetivamente,
através da arbitragem, ou seja, a Lex
Mercatoria e a arbitragem andam juntas no que tange às alternativas dos
agentes do comércio internacional para regulação e solução dos conflitos
advindos de suas relações contratuais.
A Lex Mercatoria não é inovação jurídica, surgiu do esforço da comunidade
de comerciantes da Idade Média em superar as regras inadequadas e obsoletas das
leis feudais e romanas que não mais respondiam às suas necessidades, criando um
conjunto de regras uniformes e obrigatórias para reger as relações comerciais,
constituindo uma lei mercantil de caráter cosmopolita baseada em usos e
costumes comerciais.
Após passar por um período de
declínio em face das grandes codificações, surge na atualidade uma nova Lex Mercatoria como um conjunto de
costumes e de regras que visa regular o comércio internacional, com poder
normativo independente das legislações nacionais.
Embora alvos de muitos debates,
ainda não se chegou a uma definição pacífica do conceito e caracterização da Lex Mercatoria contemporânea.
Segundo Berthold Goldmann “a Lex Mercatoria é um conjunto de
princípios, instituições e regras costumeiras, espontaneamente referidos ou
elaborados no quadro do comércio internacional, sem referência a um sistema
particular de lei nacional”. [1]
Para Goldmann, a nova Lex Mercatoria surge como uma forma
encontrada, principalmente pelos contratantes, de superar os percalços advindos
das regras e soluções oferecidas pelos sistemas nacionais de lei, utilizando-se
então esse conjunto de normas, fruto da autonomia da vontade, que através da
prática reiterada e efetiva nas relações comerciais internacionais e arbitragem
formou um corpo autônomo de direito. [2]
Nessa linha, a arbitragem
internacional, regulada no Brasil pela Lei nº 9.307/96, constitui um meio
alternativo à jurisdição estatal para solução de conflitos, utilizada no
comércio internacional justamente por permitir o uso do direito da forma mais
adequada às exigências dos agentes deste ramo.
Observa-se vínculo estreito entre a
Lex Mercatoria e a arbitragem
internacional, podendo-se afirmar que a “lex
mercatoria manifesta-se através de seus laudos arbitrais, e sua constante
utilização no plano internacional serve de emergência de um direito com normas
próprias adequadas aos usos e costumes do comércio internacional”. [3]
É na arbitragem internacional que
as partes envolvidas em uma relação contratual em que exista um elemento de conflito
encontrarão o abrigo para utilização da Lex
Mercatoria como direito aplicável a um litígio oriundo daquele contrato, já
que a autonomia da vontade é tida como um dos princípios fundamentais do
instituto da arbitragem.
Assim, para Strenger: “o regime
arbitral é o que melhor exprime a independência do comércio internacional no
que concerne à solução de seus problemas, residindo nos textos de suas decisões
os melhores repositórios para justificar a Lex
Mercatoria” e conclui, acentuando que: “com efeito, a arbitragem tem sido
campo fértil para justificar a implantação da Lex Mercatoria, dada a sua crescente desvinculação, seja das leis
impositivas nacionais, seja das jurisdições estatais”. [4]
A respeito do nível de popularidade
alcançado pela arbitragem, estima-se que em 90% dos contratos comerciais
internacionais existe a previsão de cláusula arbitral, e, ainda mais
especificamente, é tido que na totalidade dos contratos internacionais referentes
à construção de complexos industriais e projetos de construção similares, há a presença
de cláusula arbitral. [5]
Ao se realizar uma análise
comparativa entre o recurso aos tribunais estatais e a arbitragem internacional
é possível reconhecer vários argumentos que apontam a arbitragem como melhor
meio para solução dos conflitos oriundos dos contratos internacionais,
principalmente aqueles pertencentes ao âmbito do comércio internacional.
Como primeiro ponto, deve-se
destacar que através da arbitragem se alcança uma agilidade muito superior na
solução de um conflito se comparado aos tribunais estatais. Quando se submete
uma lide à arbitragem, há, em regra, uma previsão de prazo dentro do qual a
sentença arbitral deve ser proferida, que é bastante curto.
Outro fato que destaca as vantagens
do uso da arbitragem, principalmente para os operadores do comércio
internacional, é o privilégio que as partes têm de escolha dos árbitros,
podendo, desta forma, escolher o árbitro ou tribunal arbitral com a
qualificação, técnica e experiência necessárias para julgar sua lide, que
muitas vezes é juridicamente complexa, ao contrário dos juízes estatais, que em
regra não são especializados em resolver conflitos desta natureza.
Ressalta-se ainda a ampla autonomia
da vontade oferecia pelo direito arbitral como uma das maiores vantagens deste
em relação à jurisdição estatal, em particular ao Judiciário brasileiro, haja
vista que na arbitragem as partes podem escolher as regras procedimentais e
ainda o direito aplicável, inclusive a Lex
Mercatoria, de acordo com as necessidades de sua lide.
Por fim, há que se fazer duas
considerações: primeiro é que a utilização da Lex Mercatoria é um meio facilitador das relações comerciais
internacionais, através de regras atualizadas e condizentes com a realidade do
comércio internacional, o que também vem a oferecer maior segurança jurídica
para as partes, já que não há dúvida sobre o direito a ser aplicado na relação
contratual; e segundo que o instituto da arbitragem internacional mostra-se ser
talvez a melhor alternativa para solução dos conflitos derivados das relações
do comércio internacional, porque é nele que se encontra guarida para
utilização da Lex Mercatoria como
direito aplicável, e também, por constituir um meio mais seguro e rápido de
solução de um litígio.
Referências
[2] GOLDMANN,
1964 apud STRENGER, 1996, p. 72.
[3] STRENGER,
Irineu. Direito do Comércio Internacional e Lex Mercatoria. São Paulo: LTr,
1996, p. 70.
[5] RECHSTEINER,
Walter Beat. Arbitragem privada internacional no Brasil: depois da nova lei
9.307, de 23.09.1996: teoria e prática. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p. 15.
Lei Modelo da
UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional. Disponível em: http://www.uncitral.org/,
acesso em 08/10/2016.
FIORATI, Jete
Jane. A lex mercatoria como ordenamento jurídico autônomo e os Estados em
desenvolvimento. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 41 n.164, p
17-30, out/dez. 2007.
ALMEIDA SANTOS,
Cláudio Francisco de. Os princípios fundamentais da arbitragem. In: CASELLA,
Paulo Borba (Coord.). Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. 2. ed.,
rev. e ampl. São Paulo: LTr Editora, 1999.
PIRES, Eduardo e
ARAÚJO, Neiva Cristina. Lex Mercatoria
e arbitragem internacional: alternativas para regulação e solução de conflitos
do comércio internacional. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/07_1713.pdf
. Acesso em: 08/10/2016.
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