quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Lobby e Direito


 Em virtude do apurado nas Operações Zelotes e Lava Jato, o lobby ressurge como pauta a ser analisada sobre ótica realista. A exposição midiática de tais incidentes reforça confusão no sentido de que a prática de defesa de interesses está necessariamente vinculada à atividades ilícitas. Entende-se descabido criminalizar a atividade de Lobby. A regulamentação da matéria revela-se necessária, frente à inevitabilidade do problema da ética corporativa, permeado pela fluidez que pontua o ato escuso da defesa de interesses legítima.
Não comporta mais ao cidadão, a condição de simples espectador dos acontecimentos públicos. Existe oportuno clamor social por mecanismos saneadores das relações entre representantes políticos e grupos de pressão1. A democracia representativa com participação pelo voto é insuficiente neste norte. Tal molde de representação oficial, eleição periódica calcada no interesse comum, se mostra insatisfatório para abordar demandas complexas.
Neste contexto, nota-se um amadurecimento das instituições democráticas, onde a sociedade civil se organiza em grupos de atuação, a fim de viabilizar representação e participação na construção de políticas públicas e aprovação de projetos legislativos. Esses grupos de pressão, configuram-se como atores políticos fundamentais nos centros deliberativos(Meyer-Pflug, 2009), agregando ao sistema institucional, a liberdade de associação e o pluralismo inerente à coletividade.
Figura então a atividade de lobby como agente facilitador da representatividade de grupos de interesses civis ou empresariais que necessitam de mediação política. O dicionário de política organizado por Bobbio, Matteucci e Pasquino, designa lobby por: “O processo por meio do qual os representantes dos grupos de interesses levam ao conhecimento dos legisladores ou dos decision-makers os desejos do seu grupo e é, portanto, uma transmissão de mensagens aos decision-makers”.
Ressalta o caráter informativo, rico em utilidade técnica da prática, o cientista político Graziano ao considerar o lobby como representação técnica e especializada de natureza diferente da representação não especializada proporcionada pelos políticos eleitos. Para o autor: “Embora o lobista represente interesses especiais, ele é o detentor das informações e o portador de conhecimentos técnicos e políticos especializados que se mostram não só úteis como às vezes cruciais na definição da legislação e da regulamentação administrativa”.
Depreende-se então que o lobby lícito pode trazer contribuições, sobretudo para os tomadores de decisão, pois estes se deparam com grande variedade de temas sobre os quais necessitam deliberar nem sempre munidos de informações suficientes para a tomada de decisões. Além disso, as pautas da agenda decisória governamental têm se tornado mais complexas, assim como a gama de interesses legítimos que devem ser levados em conta.
O lobby encontra suporte constitucional no art.1º, V, da Constituição, a começar por instrumentalizar o pluralismo político. Também no direito de petição ao ente público (art. 2º XXXIV, alínea a CF) em defesa de direitos ou contra abusos de legalidade. Os arts. 5º IV e IX e 220, amparam o lobby enquanto instrumento legítimo de representatividade e participação, consubstanciado na manifestação de pensamento dirigida à materialização de medidas públicas. Por fim, na ação de iniciativa popular (art.61§ 2º) têm-se expressão participativa de mecanismo tutelar das liberdades, em consonância com os direitos políticos de representatividade existentes em um Estado Democrático de Direito.
Uadi Lammêgo ao dissertar sobre os limites materiais suprajurídicos que influem no Poder Constituinte Originário faz interessante comentário sobre os bastidores de formação de nossa atual Carta Constitucional. Relata o professor:

No processo constituinte que gerou a CF88, caravanas partiram rumo a Brasília, grupos de pressão foram ao Congresso Nacional e a força do lobby profissionalizado entrou em cena. Tudo isso se refletiu no delineamento e exercício do poder constituinte originário, que por força de tantas imposições, notadamente de índole ideológica, incorporou na Constituição conteúdos e assuntos muito diversificados.(Bulos, 2014,p.145.)

Apesar da guarida constitucional formal e levando em consideração sua evidente influência material, a atividade de Relgov, como a denominam os profissionais, continua não regulamentada. Embora não haja perspectiva de aprovação dos projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, percebe-se ambiente legislativo propício, dado o sancionamento de leis cujo campo semântico é comum ao disciplinamento da prática. Sendo estas a Lei de Acesso à Informação 12.527/2011,a Lei Anticorrupção 12.846/2013, e a Lei n. 12.813, também de 2013, a qual aborda o conflito de interesses de servidores públicos em âmbito executivo.
No US, Canadá e diversos países da União Europeia a regulamentação do lobby propiciou representação ampla de interesses até então sem apelo para a comunidade política. A aceitação do lobby como instrumento legítimo de representatividade acabou por incentivar a organização política da sociedade civil em associações, formação que reflete o princípio do pluralismo político, preceito fundamental em cartas magnas democráticas.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) ainda, tem por uma de suas pautas principais, a regulamentação da atividade de defesa de interesses, no intuito de reduzir a corrupção em seus países-membros e associados. Para a OCDE, formalizar a prática de lobby se mostrou positivo em outros ordenamentos jurídicos, no sentido de atualizar o posicionamento estatal frente os interesses dos grupos de pressão, gerando mais transparência e maior accountability2 do agente público.
As relações governamentais são naturais em um Estado democrático de Direito e enquanto probas atuam na agenda pública, permitindo a fiscalização do Estado e de seus representantes pela sociedade civil. De fato, a regulamentação da atividade reflete compreensão dos processos que levam à tomada de decisões e enseja maior estabilidade política.
Conclui-se pela importância do tema para os profissionais da área, atores políticos, grupos de interesse, grupos de pressão, bem como para o cidadão preocupado com a aparente ilicitude à margem da atividade de lobby e interessado em compreender como se institui na prática o diálogo entre o grupo de interesse potencial em que este se inclui e o Estado.
O lobby é diálogo entre os representantes eleitos e grupos de pressão não só empresariais, mas também da sociedade civil como um todo. Um instrumento de representatividade política ativa complementar ao voto universal. A prática é indissociável do processo democrático e está para a política, assim como ar está para quem respira. Desta maneira, que a defesa de interesses aconteça às claras, com limites estipulados pelo Direito.

1 Grupos de Pressão: “Atividade de um conjunto de indivíduos que, unidos por motivações comuns, buscam, através do uso de sanções ou da ameaça de uso delas, influenciar sobre decisões que são tomadas pelo poder político, seja a fim de mudar a distribuição prevalente de bens, serviços, honras e oportunidades,” BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, 1998.

2 Accountability: “O conceito de accountability envolve duas partes: a primeira delega responsabilidade para que a segunda proceda à gestão dos recursos; ao mesmo tempo, gera a obrigação daquele que administra os recursos de prestar contas de sua gestão, demonstrando o bom uso desses recursos.” AKUTSU, Luís. GOMES DE PINHO, José Antônio. Sociedade de Informação, Accountability e Democracia Delegativa: investigação em portais de governo no Brasil, Biblioteca Digital FGV, 2002.

Referências

AKUTSU, Luís. GOMES DE PINHO, José Antônio. Sociedade de Informação, Accountability e Democracia Delegativa: investigação em portais de governo no Brasil, Biblioteca Digital FGV, 2002. 

BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, 1998

BULOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. 7ªed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GRAZIANO, Luigi. Lobbying pluralismo democrazia. Roma: Ed. La nuova Italia scientifica, 1995.

________Luigi. O lobby e o interesse público. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. V.12 n. 35, 1997.

MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro, Grupos de Interesse: Lobby, Série Pensado o Direito nº08/2009, Programa de Mestrado em Direito UNICEUB, Ministério da Justiça, 2009.

SANSON, Alexandre. Dos Grupos de Pressão na Democracia Representativa: Os Limites Jurídicos, Tese de Doutorado Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2013.

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