Em
virtude do apurado nas Operações Zelotes e Lava Jato, o lobby
ressurge como pauta a ser analisada sobre ótica realista. A
exposição midiática de tais incidentes reforça confusão no
sentido de que a prática de defesa de interesses está
necessariamente vinculada à atividades ilícitas. Entende-se
descabido criminalizar a atividade de Lobby. A regulamentação da
matéria revela-se necessária, frente à inevitabilidade do problema
da ética corporativa, permeado pela fluidez que pontua o ato escuso
da defesa de interesses legítima.
Não comporta mais ao cidadão, a condição de simples espectador dos acontecimentos públicos. Existe oportuno clamor social por mecanismos saneadores das relações entre representantes políticos e grupos de pressão1. A democracia representativa com participação pelo voto é insuficiente neste norte. Tal molde de representação oficial, eleição periódica calcada no interesse comum, se mostra insatisfatório para abordar demandas complexas.
Neste
contexto, nota-se um amadurecimento das instituições democráticas,
onde a sociedade civil se organiza em grupos de atuação, a fim de
viabilizar representação e participação na construção de
políticas públicas e aprovação de projetos legislativos. Esses
grupos de pressão, configuram-se como atores políticos fundamentais
nos centros deliberativos(Meyer-Pflug, 2009), agregando ao sistema
institucional, a liberdade de associação e o pluralismo inerente à
coletividade.
Figura
então a atividade de lobby como agente facilitador da
representatividade de grupos de interesses civis ou empresariais que
necessitam de mediação política. O dicionário de política
organizado por Bobbio, Matteucci e Pasquino, designa lobby por: “O
processo por meio do qual os representantes dos grupos de interesses
levam ao conhecimento dos legisladores ou dos decision-makers os
desejos do seu grupo e é, portanto, uma transmissão de mensagens
aos decision-makers”.
Ressalta
o caráter informativo, rico em utilidade técnica da prática, o
cientista político Graziano ao considerar o lobby como representação
técnica e especializada de natureza diferente da representação não
especializada proporcionada pelos políticos eleitos. Para o autor:
“Embora o lobista represente interesses especiais, ele é o
detentor das informações e o portador de conhecimentos técnicos e
políticos especializados que se mostram não só úteis como às
vezes cruciais na definição da legislação e da regulamentação
administrativa”.
Depreende-se
então que o lobby lícito pode trazer contribuições, sobretudo
para os tomadores de decisão, pois estes se deparam com grande
variedade de temas sobre os quais necessitam deliberar nem sempre
munidos de informações suficientes para a tomada de decisões. Além
disso, as pautas da agenda decisória governamental têm se tornado
mais complexas, assim como a gama de interesses legítimos que devem
ser levados em conta.
O
lobby encontra suporte constitucional no art.1º, V, da Constituição,
a começar por instrumentalizar o pluralismo político. Também no
direito de petição ao ente público (art. 2º XXXIV, alínea a CF)
em defesa de direitos ou contra abusos de legalidade. Os arts. 5º IV
e IX e 220, amparam o lobby enquanto instrumento legítimo de
representatividade e participação, consubstanciado na manifestação
de pensamento dirigida à materialização de medidas públicas. Por
fim, na ação de iniciativa popular (art.61§ 2º) têm-se expressão
participativa de mecanismo tutelar das liberdades, em consonância
com os direitos políticos de representatividade existentes em um
Estado Democrático de Direito.
Uadi
Lammêgo ao dissertar sobre os limites materiais suprajurídicos que
influem no Poder Constituinte Originário faz interessante comentário
sobre os bastidores de formação de nossa atual Carta
Constitucional. Relata o professor:
No
processo constituinte que gerou a CF88, caravanas partiram rumo a
Brasília, grupos de pressão foram ao Congresso Nacional e a força
do lobby profissionalizado entrou em cena. Tudo isso se refletiu no
delineamento e exercício do poder constituinte originário, que por
força de tantas imposições, notadamente de índole ideológica,
incorporou na Constituição conteúdos e assuntos muito
diversificados.(Bulos, 2014,p.145.)
Apesar
da guarida constitucional formal e levando em consideração sua
evidente influência material, a atividade de Relgov, como a
denominam os profissionais, continua não regulamentada. Embora não
haja perspectiva de aprovação dos projetos de lei em trâmite no
Congresso Nacional, percebe-se ambiente legislativo propício, dado o
sancionamento de leis cujo campo semântico é comum ao
disciplinamento da prática. Sendo estas a Lei de Acesso à
Informação 12.527/2011,a Lei Anticorrupção 12.846/2013, e a Lei
n. 12.813, também de 2013, a qual aborda o conflito de interesses de
servidores públicos em âmbito executivo.
No
US, Canadá e diversos países da União Europeia a regulamentação
do lobby propiciou representação ampla de interesses até então
sem apelo para a comunidade política. A aceitação do lobby como
instrumento legítimo de representatividade acabou por incentivar a
organização política da sociedade civil em associações, formação
que reflete o princípio do pluralismo político, preceito
fundamental em cartas magnas democráticas.
A
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)
ainda, tem por uma de suas pautas principais, a regulamentação da
atividade de defesa de interesses, no intuito de reduzir a corrupção
em seus países-membros e associados. Para a OCDE, formalizar a
prática de lobby se mostrou positivo em outros ordenamentos
jurídicos, no sentido de atualizar o posicionamento estatal frente
os interesses dos grupos de pressão, gerando mais transparência e
maior accountability2
do agente público.
As
relações governamentais são naturais em um Estado democrático de
Direito e enquanto probas atuam na agenda pública, permitindo a
fiscalização do Estado e de seus representantes pela sociedade
civil. De fato, a regulamentação da atividade reflete compreensão
dos processos que levam à tomada de decisões e enseja maior
estabilidade política.
Conclui-se
pela importância do tema para os profissionais da área, atores
políticos, grupos de interesse, grupos de pressão, bem como para o
cidadão preocupado com a aparente ilicitude à margem da atividade
de lobby e interessado em compreender como se institui na prática o
diálogo entre o grupo de interesse potencial em que este se inclui e
o Estado.
O
lobby é diálogo entre os representantes eleitos e grupos de pressão
não só empresariais, mas também da sociedade civil como um todo.
Um instrumento de representatividade política ativa complementar ao
voto universal. A prática é indissociável do processo democrático
e está para a política, assim como ar está para quem respira.
Desta maneira, que a defesa de interesses aconteça às claras, com
limites estipulados pelo Direito.
1
Grupos de Pressão: “Atividade de um conjunto de indivíduos que,
unidos por motivações comuns, buscam, através do uso de sanções
ou da ameaça de uso delas, influenciar sobre decisões que são
tomadas pelo poder político, seja a fim de mudar a distribuição
prevalente de bens, serviços, honras e oportunidades,” BOBBIO,
Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
Política, 1998.
2
Accountability:
“O conceito de accountability
envolve duas partes: a primeira delega responsabilidade para que a
segunda proceda à gestão dos recursos; ao mesmo tempo, gera a
obrigação daquele que administra os recursos de prestar contas de
sua gestão, demonstrando o bom uso desses recursos.” AKUTSU, Luís.
GOMES DE PINHO, José Antônio. Sociedade de Informação,
Accountability e Democracia Delegativa: investigação em portais de
governo no Brasil,
Biblioteca
Digital FGV, 2002.
Referências
AKUTSU,
Luís. GOMES DE PINHO, José Antônio. Sociedade de Informação,
Accountability e Democracia Delegativa: investigação em portais de
governo no Brasil, Biblioteca Digital FGV, 2002.
BOBBIO,
Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
Política, 1998
BULOS,
Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. 7ªed. São Paulo:
Saraiva, 2012.
GRAZIANO,
Luigi. Lobbying
pluralismo democrazia. Roma: Ed. La nuova Italia scientifica, 1995.
________Luigi.
O lobby e
o interesse público. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais.
V.12 n. 35, 1997.
MEYER-PFLUG,
Samantha Ribeiro, Grupos de Interesse: Lobby,
Série Pensado o Direito nº08/2009, Programa de Mestrado em Direito
UNICEUB, Ministério da Justiça, 2009.
SANSON,
Alexandre. Dos Grupos de Pressão na Democracia Representativa: Os
Limites Jurídicos, Tese de Doutorado Universidade de São Paulo –
USP, São Paulo, 2013.
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